quarta-feira, 30 de junho de 2010

Privacidade em Ambiente Eletrônico

O direito à privacidade está positivado nos incisos X e XII do art. 5o. da Constituição (Nota 1). Nesses dispositivos constitucionais temos a consagração da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Ademais, o Texto Maior também estabelece a inviolabilidade do sigilo das comunicações de dados.
A Lei n. 9.296, de 1996, precisamente no art. 10, caracteriza como crime a interceptação de comunicações de informática e de telemática, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei (Nota 2).
Subsiste um significativo debate doutrinário acerca das noções de intimidade e vida privada. A extensão dos conceitos, para aplicação nos mais variados casos concretos, são temas dos mais delicados na seara jurídica (Nota 3).
Numa afirmação simples e direta podemos relacionar os direitos à intimidade e à vida privada com os traços ou elementos reveladores da forma de vida, costumes, preferências ou planos das pessoas (esfera de sua conduta e modo de ser não realizada perante a comunidade). Assim, admitindo a existência de distinção entre intimidade e vida privada, premissa não aceita por inúmeros juristas que advogam uma identidade entre as noções, podemos considerar que intimidade envolve informações e relações em âmbito extremamente restrito e vida privada, por sua vez, considera informações e relações pessoais pessoais mais abrangentes, mas ainda não inseridas no universo das relações sociais perante a comunidade. Nessa linha, a intimidade está relacionada com o núcleo familiar residencial e as informações mais pessoais possíveis, como planos, projetos, gostos e preferências nos mais variados sentidos da vida. Já a vida privada está relacionada com a família, para além do núcleo familiar básico, e o rol de amigos. Um dos aspectos mais relevantes para delinear a fronteira entre a vida privada e a vida pública consiste no fato de que as relações estabelecidas na primeira seara envolvem pessoas escolhidas, enquanto as relações fixadas no segundo campo envolvem pessoas não escolhidas (como os colegas de trabalho e de estudo).
Um aspecto digo de nota nas considerações relacionadas com o direito à privacidade, aponta para a sua violação não somente a partir do acesso indevido às informações protegidas. Com efeito, a invasão ou perturbação da tranqüilidade das esferas de intimidade e de vida privada também são qualificadas como ilícitas. Essa conclusão pode ser obtida quando se analisa o comando constitucional "a casa é asilo inviolável do indivíduo" (art. 5o., inciso XI).
Em algumas situações bem definidas a tensão entre o direito à privacidade e a utilização de computadores e meios eletrônicos revelam-se com bastante nitidez.
O acesso, presencial ou por intermédio de redes, notadamente a internet, aos arquivos existentes em computadores de terceiros, consiste em evidente violação à privacidade. Nesse sentido, a decisão do STF na Ação Penal n. 307-DF aponta como juridicamente impossível (ilícito) o acesso de terceiro aos arquivos eletrônicos, quer através do equipamento diretamente, quer por intermédio de redes (locais ou internet) (Nota 3).
O acesso ao fluxo de dados ou informações de terceiros em redes de informática ou telemática não é juridicamente possível (lícito). Trata-se de conclusão relativamente tranqüila por conta do tipo penal definido no art. 10 da Lei n. 9.296, de 1996 (Nota 2).
É juridicamente possível (lícito) o acesso ao número da linha telefônica utilizada por determinado equipamento para integração à internet por meio de um endereço IP específico. Mesmo sem intermediação judicial, a autoridade policial pode obter tal informação, por não integrar as esferas de intimidade e vida privada (como modo de ser e se portar). Atente-se para o fato de que um número de telefone (o simples dado objetivo) nada revela de significativo acerca das várias facetas da vida de um indivíduo.
Evoluindo de posicionamento anterior, afirmamos que o SPAM (propaganda não solicitada recebida por e-mail) encerra violação ao direito à privacidade. A violação em questão caracteriza-se justamente pelo ângulo, antes destacado, da perturbação à tranqüilidade da esfera de intimidade do internauta. Ademais, a conduta adentra no campo do ilícito quando provoca danos patrimoniais e, eventualmente, morais.
Os cookies (arquivos inseridos nos computadores dos internautas pelo servidor do site visitado), quando monitoram a navegação ou capturam dados no computador do internauta, inegavelmente violam o direito à privacidade.
O monitoramento de navegação (na internet) e correio eletrônico em ambiente funcional, prática em que o debate acerca do direito à privacidade ocupa posição central, revela-se um dos mais tormentosos problemas do direito da informática. Sustentamos a possibilidade, mediante a observância de precauções inafastáveis, conforme discussão mais detalhada realizada no capítulo referente às relações de trabalho em ambiente eletrônico.

NOTAS:
(1) Constituição (art. 5o.):

"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;"

(2) Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996

"Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Art. 6° Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.

§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do art. 8° , ciente o Ministério Público.

Art. 7° Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.

Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1° ) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

Art. 9° A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 12. Revogam-se as disposições em contrário".

(3) Veja algumas decisões do STF em torno do direito à privacidade: (a) "... por estar-se diante de micro computador que, além de ter sido apreendido com violação de domicílio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5., X e XI, da CF)". Ação Penal n. 307-DF. Pleno. Relator Ministro ILMAR GALVÃO; (b) "A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas: de viabilizá-la cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais avançadas: ao sistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor para prevenir ou reprimir abusos dos arquivos de consumo, hão de submeter-se as informações sobre os protestos lavrados, uma vez obtidas na forma prevista no edito impugnado e integradas aos bancos de dados das entidades credenciadas à certidão diária de que se cuida: é o bastante a tornar duvidosa a densidade jurídica do apelo da argüição à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à existência de bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria Constituição reconhece (art. 5o, LXXII, in fine) e entre os quais os arquivos de consumo são um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de crédito". Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.790-DF. Pleno. Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE; (c) "Fazendo a ponderação dos valores constitucionais contrapostos, quais sejm, o direito à intimidade e à vida privada da extraditanda, e o direito à honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal como instituição - atingidos pela declaração de a extraditanda haver sido vítima de estupro carcerário, divulgada pelos meios de comunicação - o Tribunal afirmou a prevalência do esclarecimento da verdade quanto à participação dos policiais federais na alegada violência sexual, levando em conta, ainda, que o exame de DNA acontecerá sem invasão da integridade física da extraditanda ou de seu filho". Reclamação n. 2.040-DF. Pleno. Relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA; (d) "Revista pessoal em indústria de roupas íntimas. Inexistência, no caso, de ofensa aos incisos II, III, LVII e X do art. 5o. da Constituição". AGRAG n. 220.459-RJ. 1a. Turma. Relator Ministro MOREIRA ALVES.